Código Universal

12/11/2025 18:15 - Por Eduardo Montenegro

Por que usar inglês na programação (Mesmo para projetos 100% nacionais)

Se você desenvolve sistemas exclusivamente para o mercado brasileiro, a tentação é grande: por que não escrever tudo em português? Afinal, as variáveis ($cliente, $notaFiscal), as funções (calcularJuros()) e os comentários fariam sentido imediato para a equipe. Parece prático, certo?

Na verdade, essa abordagem, embora bem-intencionada, é uma armadilha técnica. Ela confunde o idioma da interface do usuário com o idioma da engenharia. Como desenvolvedores e consultores, nosso ofício exige a adoção de boas práticas que garantam manutenibilidade e escalabilidade. E isso começa com a padronização do idioma que usamos sob o capô.

Inglês: A "Língua Franca" do Desenvolvimento

Não há como escapar: a programação "fala" inglês. O kernel do seu SO, o core do seu framework (seja Laravel, React, ou qualquer outro), as bibliotecas que você importa, as mensagens de erro da sua stack, a documentação oficial e 99% das discussões em fóruns globais estão em inglês.

Ao escrever seu próprio código em inglês ($user, $invoice, calculateInterest()), você está mantendo seu cérebro no mesmo contexto linguístico das ferramentas que utiliza. Você elimina a necessidade de "traduzir" mentalmente o tempo todo, reduzindo a carga cognitiva e tornando a leitura do código mais fluida.

O Perigo do "Código Bilíngue"

O pior cenário não é um código em português; é um código misto. Aquele famoso "Portinglês":


// Função para buscar dados do cliente
function getUsuario(int $id_user) {
    $sql = "SELECT nome_completo FROM tb_usuarios WHERE user_id = :id";
    // ...
    return $data['nome_completo'];
}

Esse pequeno trecho é um pesadelo de manutenção. Temos getUsuario (misto), $id_user (inglês), tb_usuarios (português), nome_completo (português) e user_id (inglês).

Essa inconsistência obriga o desenvolvedor a adivinhar os padrões a cada linha. Aderir estritamente ao inglês para variáveis, nomes de funções, tabelas e colunas de banco de dados cria um padrão previsível e limpo. A previsibilidade é o melhor amigo da manutenção.

A Prática Essencial: Separar Código da Interface (i18n)

Aqui está o ponto crucial: o seu código falar inglês não significa que o seu usuário deva falar.
O erro fundamental é misturar a lógica de programação com o texto que será exibido na tela.

A forma errada (Hard-coded):
if ($success) {
    echo "Usuário salvo com sucesso!";
}

Isso é um débito técnico. Se amanhã o cliente decidir expandir e precisar de uma versão em espanhol ou inglês, você terá que "caçar" e reescrever cada string de texto em todo o sistema.

A forma correta (Localização/i18n):
// O código (lógica) permanece em inglês
if ($success) {
    echo i18n::get('USER_SAVE_SUCCESS');
}

// Em um arquivo de localização (ex: pt_br.php)
return [
    'USER_SAVE_SUCCESS' => 'Usuário salvo com sucesso!'
];

// Em outro (ex: en_us.php)
return [
    'USER_SAVE_SUCCESS' => 'User saved successfully!'
];

Essa abordagem (conhecida como Internacionalização ou i18n) é a prática profissional padrão. O código permanece agnóstico ao idioma. A interface se torna apenas um "recurso" que pode ser trocado. Adicionar um novo idioma torna-se uma tarefa de tradução, e não de refatoração de código.

Não é Vaidade, é Engenharia

Adotar o inglês no backend (código, variáveis, comentários, banco de dados) e implementar um sistema de localização (i18n) para o frontend (textos da UI) não é "vira-latismo" ou uma preferência estética.

É uma decisão de engenharia que impacta diretamente:

  • Manutenibilidade: O código fica mais limpo e previsível.
  • Escalabilidade: O sistema nasce pronto para ser multilíngue.
  • Colaboração: Facilita a integração de novas ferramentas, bibliotecas ou desenvolvedores (independentemente da nacionalidade deles).

No final, é um conjunto de boas práticas que separa um sistema robusto de um amontoado de código que só o autor original consegue (com dificuldade) entender.
Eduardo Montenegro

Eduardo Montenegro

Especialista em tecnologia da informação